Entrevista: Mistheria fala sobre tocar com Bruce Dickinson, “The Mandrake Project” e mais

Tecladista italiano trabalha com vocalista do Iron Maiden desde os anos 2000, ainda que só agora esteja excursionando com ele

Ainda que seja um músico experiente, Mistheria sabe estar vivenciando algo único. O tecladista italiano, de nome Giuseppe Iampieri, está excursionando por todo o mundo ao lado de Bruce Dickinson com o show que divulga The Mandrake Project, novo álbum solo do vocalista do Iron Maiden.

Não é a primeira vez que o músico trabalha com o cantor — além de ter participado das gravações do disco mais recente, ele esteve envolvido em “Tyranny of Souls” (2005), registro anterior de Dickinson. É, porém, a primeira turnê ao lado do inglês, que também é acompanhado pelos guitarristas Philip Näslund e Chris Declercq, a baixista Tanya O’Callaghan e o baterista Dave Moreno.

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O giro passou pelo Brasil entre abril e maio, com sete apresentações, seis delas acompanhadas e registradas pelo site IgorMiranda.com.br: Porto AlegreBrasíliaBelo HorizonteRio de JaneiroRibeirão Preto e São Paulo; sendo Curitiba a única exceção. Após a apresentação no Rio, Mistheria bateu um papo com a reportagem do veículo para falar sobre o momento atual de muito trabalho junto a Dickinson.

Foto: Zé Carlos de Andrade @zecarlosdeandrade

Conhecendo Bruce Dickinson via Roy Z

A relação de Mistheria com Bruce Dickinson se estabeleceu através de um denominador comum: Roy Z, guitarrista e produtor que trabalha há muito tempo com o cantor — apesar de sua repentinamente anunciada saída da atual turnê. O músico americano participou da maior parte dos álbuns solo do frontman inglês.

O tecladista relembra, porém, que a história passou por outro cantor: Rob Rock, ex-Impellitteri.

“Conheci Roy quando fui para os Estados Unidos, há mais de 20 anos. Meu plano era mudar para Los Angeles, mas acabei parando em Orlando. Meu amigo Rick Renstrom, na época, era guitarrista do Rob Rock. Quando cheguei no aeroporto, ele disse para esperar, pois Rob vinha de um festival na Alemanha. Naquela época ele estava trabalhando em seu álbum ‘Eyes of Eternity’ (2003). E ele conheceu o trabalho que eu estava fazendo para mim e para outras bandas, daí sugeriu que eu colaborasse. O produtor era Roy Z, que conheceu meu trabalho dessa forma. Gravei outros dois álbuns com Rob Rock — (‘Holy Hell’ [2005] e ‘Garden of Chaos’ [2007]) além daquele.”

Foto: Rodrigo Piruka @rodrigo_piruka

Eis que, segundo Mistheria, “num dia de sorte”, recebeu um telefonema de Roy o convidando para trabalhar com Bruce em um novo álbum. Era “Tyranny of Souls”, gravado e lançado com o cantor já de volta ao Maiden.

Perguntado se considera o disco de 2005 “subestimado”, por não ser tão comentado quanto os materiais dos anos 1990 nem ter sido promovido com turnê à época, o tecladista revelou não enxergar de tal forma. Ele explica:

“Não sei se talvez ‘Tyranny of Souls’ tenha sido um pouco subestimado naquela época, mas depois conheci muitas pessoas que tinham o álbum, me mandavam mensagens e sugeriam muitas músicas para serem tocadas ao vivo. Na época, lembro que a Sanctuary Records fez a divulgação. A internet não era desse jeito de hoje, com Facebook e Instagram. Então, era difícil acompanhar o trabalho promocional. Mas sei que muitos fãs adoram o álbum. Hoje tocamos ‘Abduction’ e ‘Navigate the Seas of the Sun’. Especialmente esta deixa as pessoas maravilhadas. Bruce disse que essa é uma das músicas mais pedida pelos fãs.”

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

The Mandrake Project

Mistheria descreveu como “natural” o processo que levou Bruce Dickinson a aproveitar quase toda a banda de “Tyranny of Souls” em “The Mandrake Project”. Além dele, Roy Z e Dave Moreno participaram novamente das gravações — as exceções são os baixistas Ray Burke e Juan Perez, presentes somente no disco de 2005 e com funções assumidas pelo guitarrista no novo trabalho.

“Após o ‘Tyranny of Souls’, já falávamos há alguns anos sobre o próximo álbum. Fizemos algumas gravações. Algumas demos já têm 11, 12 anos. Mas aconteceram alguns problemas. Bruce teve alguns problemas de saúde (um câncer na língua), depois teve a pandemia. Passaram-se 12 anos. Mas a formação já estava acertada depois do ‘Tyranny of Souls’, porque foi uma consequência natural continuarmos trabalhando juntos.”

De acordo com o tecladista, os trabalhos em torno do álbum que se tornaria “The Mandrake Project” começaram em 2011. Ele conta até que primeira música desenvolvida acabou nem entrando no disco. O processo em estúdio não foi linear, engrenando apenas a partir do início de 2022, dois anos antes do lançamento em si.

Isso não levou a grandes mudanças na sonoridade — da qual Mistheria diz ter orgulho justamente por ser diferente dos álbuns anteriores —, somente no conceito. Segundo o italiano, as letras de “The Mandrake Project” originalmente estariam mais amarradas à HQ complementar, que está sendo lançada de forma gradual pela Z2 Comics desde o início deste ano. Com o fim da pandemia, Dickinson optou por uma abordagem mais solta às composições líricas.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Processo criativo

Embora “The Mandrake Project” seja um álbum solo de Bruce Dickinson, Mistheria garante ter colaborado bastante. Não houve a mesma liberdade em “Tyranny of Souls”, devido ao momento em que integrou o projeto.

“Em ‘Tyranny of Souls’, as músicas estavam quase prontas: arranjos, estrutura, até algumas gravações. Apenas preenchi com teclados. Em ‘The Mandrake Project’, foi muito diferente. Em umas duas ou três músicas, o processo foi semelhante ao ‘Tyranny of Souls’, mas na maioria, recebi demos bem rudimentares. Alguns eram apenas guitarra e voz. Outras estavam na primeira etapa sem guia vocal, bem vazias. ‘Shadow of the Gods’, ‘Sonata’, ‘Fingers in the Wounds’, ‘Afterglow of Ragnarok’, ‘Rain on the Graves’, por exemplo. Foi como uma folha em branco: pude ‘desenhar’ por cima. Só recebi algumas pequenas orientações, tipo: ‘aqui precisamos de algo mais sombrio’, ou ‘aqui tem uma influência meio oriental, meio ‘Kashmir’ do Led Zeppelin’.”

E como é trabalhar com Bruce? O italiano faz vários elogios ao patrão.

“Tenho muita sorte por poder trabalhar com Bruce. Ele é incrível como artista, como pessoa, como líder, como alguém que mantém a atmosfera pra cima. Dá para ver que ele gosta muito de música. Lembro de quando estávamos gravando o clipe de ‘Rain on the Graves’, no Reino Unido. Algumas cenas já estavam sendo gravadas e aí Bruce chegou e ficou muito animado. E na época, dezembro do ano passado, ele já estava falando sobre turnê, sobre futuro. É um grande líder, que mantém tudo sempre funcionando.”

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Ausência de Roy Z e outros projetos

Embora tenha conseguido substitutos competentes, Bruce Dickinson não traz Roy Z na turnê atual. O guitarrista e produtor estava escalado para os shows e chegou a aparecer nos videoclipes de “Afterglow of Ragnarok” e “Rain on the Graves”, além das fotos promocionais da excursão. Porém, no último mês de fevereiro, foi anunciado que o músico estaria fora devido a “compromissos pessoais e profissionais”.

Foto: John McMurtrie

A sensação foi estranha para Mistheria, visto que ele está envolvido na carreira solo de Dickinson em função de seu vínculo com Roy. Ele comenta:

“Era natural ter a mesma formação tanto em estúdio quanto ao vivo. Logo depois de gravarmos o videoclipe em que ‘Rain on the Graves’, em que Roy aparece, eu voltei para a Itália para me preparar a turnê, que começaria dentro de uns dois meses. Então, recebemos a notícia de Bruce. Para mim, claro, foi surpreendente e triste, pois trabalhei com Roy por mais de 20 anos e faríamos essa turnê juntos. E foi explicado que existiam compromissos familiares, particulares, questões pessoais que eu respeito.”

O tecladista, porém, garante não ter tido muito tempo para lamentar, conforme completa:

“Fiquei triste, mas não teria tempo para pensar em razões. Continuei minha preparação e esse foi o caminho a seguir. Quando soube que os dois novos guitarristas estavam se juntando a nós, imediatamente começamos a trabalhar porque já era fevereiro. Não havia tempo para pensar. Estávamos focados em preparar a turnê.”

Foto: Zé Carlos de Andrade @zecarlosdeandrade

Mistheria, aliás, não está com muito tempo de sobra no geral. Fora o trabalho com Dickinson, o tecladista segue se dedicando a outros projetos, como o Vivaldi Metal Project — em que adapta músicas do compositor erudito ao heavy metal —, uma carreira solo e uma banda cujo nome ele não revelou, mas acredita-se que seja o Tower of Babel. Sobre tudo isso, ele comenta:

“Vivaldi Metal Project é minha banda principal. Faremos shows no final de setembro, na Itália. É um projeto grande, com 12 a 13 músicos envolvidos, bem difícil de executar. Por isso, não fazemos tantos shows, mas agora aproveitamos para trazer para o palco o álbum mais recente, ‘Epi Classica’ (2022). Tenho minha carreira solo e estou gravando um álbum, desta vez de metal, pois sempre alterno entre discos de piano clássico e de metal. Espero conseguir finalizar até o fim do ano. E estou em uma banda bem legal com o guitarrista americano Joe Stump (Alcatrazz), o vocalista francês Joe Amore (Nightmare), além de Mark Cross (Firewind, Helloween, Kingdom Come etc) na bateria e Nic Angileri (Jorn, Gotthard etc) no baixo. Estamos gravando o segundo álbum de estúdio, que deve sair este ano.”

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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