Peter Hook toca New Order, mas faz ferver com Joy Division em SP

Casa paulistana Audio teve seus ingressos esgotados para ver baixista executar na íntegra coletâneas de suas duas bandas

Eram 23h30 quando Peter Hook começou a segunda parte do seu longo repertório numa gélida terça-feira (27) do bipolar inverno paulistano. A Audio seguia lotada, mesmo após concluída a execução na íntegra da coletânea “Substance”, recheada de hits do New Order.

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Na hora seguinte, pela reação do público que esgotara com certa antecipação os ingressos da única apresentação do icônico baixista, o pessoal queria mesmo era vê-lo tocar Joy Division. A preocupação em como voltar para casa ou com o cansaço para encarar o trabalho da dura quarta-feira seguinte ficou de lado até o fim dos acordes de “Love Will Tear Us Apart”, quase 1h da madrugada.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A luz depois de ser expulso do New Order

Após deixar de fazer parte do New Order em 2007 contra a sua vontade — com suas últimas apresentações ocorrendo na segunda passagem do grupo pela América do Sul —, Peter Hook formou o The Light, nada além de um projeto solo. Entre críticas nada veladas aos antigos companheiros em entrevistas ou em suas três autobiografias, o baixista vem se dedicando a executar na íntegra a discografia de suas ex-bandas, aqui incluída também o Joy Division.

A fria noite de terça-feira na Audio marcou a quinta passagem desse formato de show de Peter Hook pelo Brasil. Pela segunda vez, o grupo executou um repertório focado nas coletâneas de singles “Substance”, homônimas para New Order e Joy Division, lançadas em 1987 e 1988, respectivamente, e formadas de faixas (ou pelo menos versões) não incluídas nos discos das bandas.

Casa cheia para tema de repertório repetido

Apesar de repetir a base do repertório da turnê que passou por três cidades no Brasil em 2016 e começar num horário bem tarde para um dia de semana — terça, às 22h —, a Audio, com capacidade para 3,2 mil pessoas, estava abarrotada de um público majoritariamente mais velho para conferir o grupo de Peter Hook.

Transitar pela pista era um tormento. Os bares tiveram uma demanda intensa ao longo de uma noite em que acessar os sanitários se transformou em tarefa hercúlea.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Mal passava das 22h, nenhuma pomposidade, apenas um anúncio simples avisando o público de que Peter Hook tocaria as músicas do Joy Division foi a deixa para os músicos entrarem no palco. De camiseta branca, o dono da festa empunhou seu baixo e deu início a uma apresentação que seria longa.

A primeira parte do show foi dedicada ao repertório do New Order. Como contentar o público com uma coletânea platinada com seus singles de maior sucesso parecia ser missão fácil, Hook resolveu se divertir testando os presentes com algumas faixas menos óbvias logo de cara.

Ok, “Dreams Never End” é a primeira música do LP de estreia do New Order, “Movement” (1981). Porém, apesar de suas cativantes melodias, não despertou reações mais energéticas além daquela euforia de que o show havia começado.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Depois, “Procession” e “Cries and Whisper”, duas preciosidades lançadas apenas como singles naquele mesmo ano de 1981 — e constantes no segundo CD de “Substance”, mas não no tracklist do vinil original —, seguiram a uma resposta ainda tímida do público.

Curiosamente, a primeira reação mais efusiva na Audio veio nas cantorias irresistíveis de “What Do You Want From Me?”, single de sucesso do Monaco, banda de Hook posterior ao primeiro final do New Order nos anos 1990. Nem dá para chamar de cover, pois dois músicos da banda integram hoje o The Light: o baterista Paul Kehoe e o guitarrista David Potts, com quem o baixista, ainda enquanto estava no New Order, já havia iniciado uma parceria em dupla no projeto Revenge — que se apresentou no Brasil em 1990.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“Ceremony”, com sua melodia icônica sobre a linha de baixo marcante de Hook, iniciou a parte da noite dedicada à coletânea do New Order, com o público já devidamente aquecido e bem mais participativo. A música, composta inicialmente para o Joy Division, acabou sendo o último momento mais rock’n’roll da primeira metade da apresentação.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Audio vira pista de dança

A partir de “Everything Gone Green”, segunda faixa da coletânea, bases pré-gravadas de bateria e arranjos sintetizados se tornaram dominantes. Destacou-se Martin Rebelski comandando os teclados e todo o tipo de som eletrônico.

Também passou a fazer mais sentido a formação de quinteto de Hook com dois baixistas. Paul Duffy substituiu nessa noite o nepo-baby Jack Bates, que abandonou o trabalho na “empresa do papai” para excursionar com o Smashing Pumpkins.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Antes parecendo nada além de um suporte para chefão se concentrar apenas em cantar apoiado em sua pastinha, Duffy passou a ser primordial em manter os tons graves mais pesados na pista de dança que se tornara a Audio. Hook, por sua vez, usou seu instrumento para executar suas reconhecíveis melodias intercaladas aos arranjos de guitarra.

Depois de “Temptation”, Kehoe deixou sua bateria e abandonou o palco. Sua presença era desnecessária para “Blue Monday”, que teve a recepção digna de um dos maiores hits dos anos 80 com cantorias desenfreadas pelo dançante público que se amontoava na pista da Audio.


A partir de “Confusion”, David Potts passou a ter maior participação ao cantar as partes em tons mais altos e delicados de Bernard Sumner, guitarrista e vocalista do New Order. Com o grave dominante nas batidas mais dançantes, o timbre médio da voz de Hook não era favorecido pela equalização da casa: a performance era abafada no meio de tantas camadas sonoras sobrepostas.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Kehoe retornou ao palco apenas em “The Perfect Kiss”. Entretanto, sua participação secundária se dava mais reforçando o peso em algumas partes das músicas seguintes, que ainda se apoiariam nas batidas pré-gravadas até o fim da primeira parte da noite.

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Os hits “Bizarre Love Triangle” e “True Faith” trouxeram os maiores coros da Audio até então. Finalizaram em alta a execução da coletânea do New Order.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

A escuridão recai sobre a Audio

Após um intervalo de pouco mais de dez minutos, houve a troca do fundo da ilustração projetada no fundo do palco dos tons verdes do pôster do anúncio da turnê para o preto com o “Peter Hook & the Light” escrito em fonte sóbria. Era o prenúncio de que a atmosfera dançante da primeira metade mudaria de conotação para a segunda parte do show.

Assim como no início da noite, houve o anúncio de que seriam executadas as músicas do Joy Division. Os músicos entraram e ajustavam seus instrumentos sob o som de uma curta introdução pré-gravada, já sob iluminação mais escura. Quando ela terminou, Hook iniciou a soturna linha de baixo de “No Love Lost”, faixa do primeiro EP “An Ideal for Living” (1978).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Novamente, Hook apostava em iniciar o repertório com canções menos conhecidas da banda representada. “Komakino”, single de 1980, foi sucedida por “From Safety to Where…?”, de “Earcom 2: Contradiction” (1979), uma coletânea ao lado de outros grupos da gravadora Factory, e “These Days”, lado B do single “Love Will Tear Us Apart” (1980).

Diferente da primeira parte, porém, o tom sinistro de músicas menos conhecidas parecia agradar mais ao público, como se a maior parte dele tivesse vindo mesmo para conferir o pós-punk do Joy Division. Não apenas porque o New Order segue na ativa com o desafeto vocalista original, mas o formato de apresentação, com mais foco em um rock pesado, aliado ao timbre de voz de Peter Hook, faz mais justiça à música do grupo liderado pelo icônico cantor Ian Curtis, falecido em 1980.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Seguem os coros, mas agora com punhos cerrados

E isso se escancarou com a reação frenética para “Disorder”, faixa de abertura do clássico disco “Unknown Pleasures” (1979), executada na sequência. As danças no palco eram menos saltitantes e a cantoria dava lugar para gritos com punhos cerrados no ar. A pista da Audio tomava a configuração de um show de rock.

Hook gritou sozinho “Three, five, zero, one, two, five – go!” e deu início a “Warsaw”, não apenas a faixa que dá início à versão do Joy Division da coletânea “Substance”, como também um dos nomes anteriores da banda.  A música teve seu refrão cantando com força pelo público assim como “Digital”. A introspectiva “Autosuggestion” atingiu o maior grau de tensão da já madrugada de quarta-feira, com seu ritmo lento para contidas explosões de velocidade. Os coros retornaram em “Transmission”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Hook, então, apenas silenciou. De pouca comunicação na noite toda, primeiro viu a pista iniciar aplausos antes de ouvir seu nome gritado pelo público. Bases pré-gravadas vieram para o pós-punk clássico de “She’s Lost Control”, praticamente emendado com “Shadowplay”, faixa de “Unknown Pleasures” e intrusa no repertório de “Substance” para manter a sequência do clássico álbum de 1979.

Final em homenagem a Ian Curtis

O público teve um pouco de respiro na instrumental “Incubation”, executada como um trio no palco por Hook, Potts e Kehoe, antes da trinca final da apresentação. Ian Curtis, se antes apenas um espectro rondando a Audio, teve seu nome invocado pelo baixista primeiro no anúncio do que seria sua faixa favorita, “Dead Souls”, para posteriormente lhe ser dedicada “Atmosphere”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“Love Will Tear Us Apart” encerrou a longa apresentação assim como termina a coletânea. Para a surpresa de absolutamente ninguém, recebeu os maiores coros das quase três horas em que Peter Hook esteve no palco, desde sua melodia até o refrão berrado por todo o público, sem arredar o pé da Audio, mesmo após o término das operações do metrô dos arredores.

O show poderia ter começado mais cedo e ter ocorrido num lugar de maior capacidade. Todavia, pelos abarrotados corredores de saída da Audio antes de encarar o frio da madrugada paulistana, não se ouviam lamentos.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Peter Hook & the Light — ao vivo em São Paulo

  • Local: Audio
  • Data: 27 de agosto de 2024

Repertório:

Parte I – New Order

  1. Dreams Never End
  2. Procession
  3. Cries and Whispers
  4. What Do You Want From Me?* (Monaco)
    (Set do “Substance”)
  5. Ceremony
  6. Everything’s Gone Green
  7. Temptation
  8. Blue Monday
  9. Confusion
  10. Thieves Like Us
  11. The Perfect Kiss
  12. Sub-Culture
  13. Shellshock
  14. State of the Nation
  15. Bizarre Love Triangle
  16. True Faith

(Intervalo)

Parte II – Joy Division

  1. No Love Lost
  2. Komakino
  3. From Safety to Where…?
  4. These Days
  5. Disorder
    (Set do “Substance”)
  6. Warsaw
  7. Leaders of Men
  8. Digital
  9. Autosuggestion
  10. Transmission
  11. She’s Lost Control
  12. Shadowplay*(música que não faz parte do tracklist de “Substance”)
  13. Incubation
  14. Dead Souls
  15. Atmosphere
  16. Love Will Tear Us Apart
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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