Como a estreia do Red Hot Chili Peppers foi marcada por problemas

Disco lançado em 1984 é resultado da jornada de uma banda que perdeu metade dos integrantes e precisou gravar sem ter encontrado sua identidade

Antes de dominar a música alternativa, enfiar a genitália em meias e quase terminar e ressurgir para estabelecer seu legado como uma das maiores bandas da história do rock, o Red Hot Chili Peppers era apenas um grupo de moleques. Colegas de escola em Los Angeles que resolveram fazer um som juntos e perceberam haver algo ali.

Mesmo assim, tudo começou a mover rápido demais. A ponto da banda rachar pela metade antes mesmo de começar. Essa é a história de como o mundo da música é complicado, contratos podem atrapalhar muita coisa e às vezes demora para um grupo encontrar sua própria identidade.

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Falemos do álbum de estreia do Red Hot Chili Peppers, homônimo e lançado em 1984.

Formação improvisada

Gary Allen precisava de ajuda. Ele era um músico em Los Angeles prestes a soltar um EP, em dezembro de 1982, e tinha que contar com outros artistas para encher a programação da festa de lançamento. Mais importante: que não ofuscassem sua música. A solução foi incentivar três conhecidos a formarem uma nova banda.

Hillel Slovak e Michael Balzary, também conhecido como Flea, eram amigos muito próximos desde o tempo que estudaram no Fairfax High School. Os dois fizeram parte juntos do mesmo grupo, What Is This?, antes do segundo ser recrutado por uma das maiores bandas punk da cidade, o Fear.

Além deles, havia um terceiro chamado Anthony Kiedis. Ele era um “garoto problema” que nunca teve pretensão musical até aquele ponto, mas estava passando por uma epifania devido à música “The Message”, de Grandmaster Flash & The Furious Five. Allen reconheceu no jovem a habilidade latente de um frontman e o incentivou a tentar algo com seus melhores amigos, Slovak e Balzary, além do baterista Jack Irons.

Ensaios sem muito compromisso renderam a certeza de que o vocalista não sabia cantar. Todavia, Kiedis tentou canalizar sua paixão nova por rap e criou um estilo próprio, exemplificado na primeira canção deles, “Out in L.A.”. Para o show de lançamento do EP do amigo, eles se chamariam Tony Flow and the Miraculous Masters of Mayhem.

O que era para ser uma banda improvisada acabou impressionando tanto no primeiro show a ponto de serem convidados a tocar de novo no local, sem ser numa festa de lançamento de EP. Eles não tinham planos de continuar além daquela apresentação, mas toparam. Após a segunda vez no palco, armados de mais uma canção própria, eles perceberam haver algo ali.

Ainda assim, não era a prioridade de nenhum dos integrantes. Slovak e Irons ainda estavam primariamente concentrados no What Is This?. Flea era parte do Fear e Kiedis não fazia nada. Quando o Red Hot Chili Peppers começou a aparecer na imprensa, a cobertura não se focava na música, mas sim nas personalidades dos integrantes e suas peripécias na cena da cidade.

Arranjar um jeito de continuar

Após alguns meses se apresentando por Los Angeles, os quatro entraram num estúdio com o baterista do Fear, Spit Stix, fazendo as vezes de engenheiro de som. Gravaram uma demo de seis canções, todo o repertório deles até ali.

Tudo custou US$ 300. O resultado deu um ânimo renovado ao grupo, como Anthony Kiedis escreveu na sua autobiografia “Scar Tissue: As memórias do vocalista do Red Hot Chili Peppers”:

“As pessoas sempre disseram que éramos um espetáculo ao vivo que não poderia ser transferido para gravação, mas agora tínhamos a prova de que isso era besteira.”

O objetivo do grupo naquele momento não era conseguir um contrato de gravação, e sim mais shows. Especificamente, Nova York.

Eles foram até a cidade com a ajuda do amigo Pete Weiss, que foi encarregado pelo roteirista e cineasta Paul Schrader (Taxi Driver) de levar seus pertences da Califórnia até a Costa Leste, pois estava se mudando. Os integrantes do Red Hot Chili Peppers pegaram carona e, uma vez lá, começaram a distribuir cópias da demo em cassete para tentar tocar na cidade. 

Não deu certo. Voltaram para Los Angeles derrotados. Isso afetou a moral do grupo, que começou a receber resenhas negativas de seus shows na cidade.

Durante uma apresentação em um clube de strip, os integrantes decidiram fazer algo para o bis pelo qual ficariam conhecidos para sempre: saíram todos apenas vestindo meias cobrindo a genitália.

Isso atraiu a atenção de Lindy Goetz, empresário do Ohio Players e executivo da gravadora MCA que estava presente no show. Apesar dele estar em decadência na carreira, Kiedis e Flea decidiram contratá-lo, pois o achavam boa gente e queriam um testa de ferro.

A primeira coisa que Goetz fez foi estabelecer como meta um contrato de gravação. Não demorou para ele arranjar um: sete álbuns para a EMI, firmado em novembro de 1983. Só havia um problema: o What Is This? assinou com a MCA duas semanas antes. Hillel Slovak e Jack Irons deixaram o Red Hot Chili Peppers para se concentrar na banda mais séria.

Anthony Kiedis escreveu sobre o momento que soube da saída dos dois em sua autobiografia:

“Fiquei sem fala e chocado, como se um piano tivesse caído sobre meu coração. Desabei no sofá e comecei a chorar. Não era possível. Nós tínhamos inventado uma banda, criado essa coisa que o mundo precisava conhecer, e de repente era como se estivéssemos abortando um feto de seis meses. Flea estava sentado dizendo: ‘que merda, que merda…’”

Esse momento marcou o início da característica mais marcante do grupo: no fundo, é apenas Kiedis e Flea. Os dois eram o Red Hot Chili Peppers e arranjariam um jeito de continuar. O baterista Cliff Martinez – que veio a se tornar um compositor premiado de trilhas sonoras de cinema – e o guitarrista Jack Sherman foram recrutados.

Gravações e brigas

A primeira decisão de Anthony Kiedis e Flea quanto o álbum de estreia do Red Hot Chili Peppers foi recrutar o guitarrista do Gang of Four, Andy Gill, para produzir. Infelizmente, apesar do entusiasmo inicial, a relação entre ele e a banda nunca foi boa. 

Àquele ponto, o músico havia experimentado algumas desilusões dentro da indústria. O lendário grupo inglês de pós-punk do qual fez parte jogou muitas oportunidades no lixo por causa de conflitos éticos – eram maoístas – e o Andy Gill que o Red Hot conheceu era outra pessoa. Ele queria um hit a qualquer custo.

Kiedis escreveu em “Scar Tissue: As memórias do vocalista do Red Hot Chili Peppers” sobre um momento particularmente doloroso durante a produção do álbum de estreia:

“Um dia dei uma olhada no caderno de anotações de Andy e ao lado da canção ‘Police Helicopter’ ele tinha escrito ‘m#rda’. Fiquei arrasado. ‘Police Helicopter’ era uma joia de nossa coroa. Representava nosso espírito, uma força de assalto cinética e chocante de som e energia. Então a coisa ficou muito ele contra nós, especialmente Flea e eu, e foi uma verdadeira batalha gravar o disco.”

Os conflitos entre a dupla principal e o produtor se basearam principalmente em comercialidade. Gill queria que o grupo deixasse para trás suas influências punk e de Jimi Hendrix em favor de um som mais limpo, capaz de tocar no rádio. Em entrevistas subsequentes, porém, o músico falecido em 2020 disse algo diferente.

Ao site Diffuser, em 2014, ele falou sobre trabalhar com o Red Hot Chili Peppers na estreia:

“Naquela época, eles tinham um material mais funky meio rap e também tinham essas canções punks curtas e rápidas. Nesse tempo, haviam muitas bandas fazendo música super rápida, que acabava em dois minutos. Eu não achava isso interessante – era apenas punk rock requentado. Mas as outras coisas eu achava interessantes e legais. Minha principal contribuição provavelmente foi os incentivar a não concentrar tanto nas músicas punks e os fazer ir atrás do material mais funky.”

Às vezes, as discussões ocorriam simplesmente porque a banda, desacostumada a gravar num âmbito profissional, se recusava a fazer práticas comuns. Gill contou sobre uma briga envolvendo a música “True Men Don’t Kill Coyotes” durante a mesma entrevista:

“A gente tinha uma bateria eletrônica e eu queria usá-la como guia de compasso para que eles não acelerassem demais, e tivemos uma briga. Anthony basicamente disse que não tinha alma, então era errado usar. Eu gostava do som, sabe? Não importa se tem almaou não, é pra te manter no tempo certo… Então o acordo foi que Cliff Martinez, o baterista, ouviria a faixa e gravaria um cowbell, e eles tocariam a partir disso, que tinha uma alma. Obviamente.”

Arrependimentos com “The Red Hot Chili Peppers”

No final das contas, o álbum “The Red Hot Chili Peppers” saiu no dia 10 de agosto de 1984. Não apareceu nas paradas, mas entrou na programação da MTV e de rádios universitárias, o que ajudou a expandir o público deles.

Em fevereiro de 1985, Sherman foi demitido da banda por diferenças musicais. Seu substituto foi Hillel Slovak, recém-saído do What Is This?. Martinez ainda participou do segundo álbum do grupo, “Freaky Styley” (1985), antes de ser demitido em 1986. Com isso, Jack Irons retornou à banda e o Red Hot Chili Peppers original estava reunido novamente.

Em entrevista de 2023 ao Los Angeles Times, Flea caracterizou a ausência dos dois integrante originais como o principal ingrediente para o fracasso criativo da estreia do grupo. Ele disse:

“Sempre me arrependo de como fizemos o primeiro álbum. Acho que as músicas são muito boas. Mas Jack e Hillel tinham saído, e então contratamos dois outros caras: Jack Sherman e Cliff Martinez. Os dois eram ótimos músicos, mas a conexão não era tão profunda quanto a que tínhamos com os caras do início.”

Red Hot Chili Peppers — “The Red Hot Chili Peppers”

  • Lançado em 10 de agosto de 1984 pela EMI America / Enigma Records
  • Produzido por Andy Gill

Faixas:

  1. True Men Don’t Kill Coyotes
  2. Baby Appeal
  3. Buckle Down
  4. Get Up and Jump
  5. Why Don’t You Love Me
  6. Green Heaven
  7. Mommy Where’s Daddy
  8. Out in L.A.
  9. Police Helicopter
  10. You Always Sing the Same
  11. Grand Pappy Du Plenty (instrumental)

Músicos:

  • Anthony Kiedis (vocais)
  • Jack Sherman (guitarra, backing vocals)
  • Flea (baixo, backing vocals)
  • Cliff Martinez (bateria)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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