Como na letra de “Sunshine of Your Love”, a faixa mais ouvida do Cream nas plataformas digitais que abriu o show de Eric Clapton na última quinta-feira (27), na Farmasi Arena, no Rio de Janeiro, “I’ve been waiting so long…” (“Eu esperei tanto tempo…”). A vida inteira, para ser mais exato.
Outros muitos esperaram menos, mas ainda consideráveis 13 anos para rever o guitarrista — que na década de 1960 recebeu a alcunha de “deus” numa das pichações mais icônicas da história do vandalismo — em sua quinta e, quem sabe, última vez na capital fluminense.
Com seis décadas de boa música produzida em meio a triângulos amorosos, porres homéricos, tragédias pessoais e recordes de vendas das quais extrair repertório, entre autorais, covers e parcerias, Clapton, 79, optou pela segurança de números já consagrados e previamente tocados ao montar seu repertório da última quinta-feira (26).
Isso lhe permite — e à sua estelar banda de apoio — devanear-se em improvisos prolongados ao estilo “toque de bola”, no qual um músico dá o passe para que o seguinte tenha seu momento de brilhar individualmente.
Tal dinâmica se dá principalmente entre Eric, o tecladista Chris Stainton e o organista Tim Carmon, às vezes incluindo Doyle Bramhall II, a quem Clapton delega alguns solos de guitarra e deixa responsável por vernizes como slides, Ebows e dissonâncias em geral. Dado o histórico do cara como líder do Arc Angels e dono de uma carreira solo mais que digna, pode-se dizer que o canhoto talvez seja o instrumentista menos bem-aproveitado do septeto, que inclui ainda o baixista Nathan East, o baterista Sonny Emory e as backing vocals Katie Kissoon e Sharon White.
Formato
A estrutura do show — duas partes elétricas separadas por uma acústica — visa à celebração de fases distintas de Clapton. Há esperada ênfase no formato desplugado, visto que foi “Unplugged” o álbum que o trouxe de volta à lista dos mais vendidos em 1992.
Apesar dos incessantes pedidos, “Layla”, talvez o carro-chefe do disco, ficou de fora. Coube a “Running on Faith”, “Nobody Knows When You’re Down and Out” e “Tears in Heaven” (durante a qual “deus” provou que também erra ao esquecer-se da ponte que antecede ao solo) a representação deste que é um dos ao vivos mais comercialmente bem-sucedidos de todos os tempos.
Nas palminhas, os milhares de presentes na arena mostraram conhecer “Change the World”; se pelo recente comercial de TV ou pela trilha sonora do filme “Fenômeno” (1996), não se sabe.
Distinções
Uma diferença crucial desta parte em relação à apresentação realizada dois dias antes em Curitiba (veja aqui como foi) é a ausência de “The Call”, música que estará no vindouro álbum “Meanwhile”.
Por outro lado, os cariocas tiveram algo exclusivo para chamar de seu (pelo menos até as apresentações em São Paulo que encerram o giro por terras brasileiras): “Got to Get Better in a Little While”, do Derek and the Dominos, o supergrupo que Clapton montou na virada dos anos 1970, abrindo o segundo set elétrico da noite, e estendendo-se numa jam session equivalente a uma transmigração de corpos.
Felizmente, a essa hora, a técnica da casa já havia solucionado o problema de som baixo que malogrou o primeiro set elétrico a ponto de conversas paralelas sobre a eliminação do Flamengo da Libertadores atronarem o canto suave de “Badge” (Cream) e os versos de “Hoochie Coochie Man”, o standard assinado pela lenda Willie Dixon.
Sob o bruxuleio quase fantasmagórico da luz que o iluminava, Eric falou pouco. Foram três “obrigado” e só, sendo que o primeiro veio quase na metade do show. A voz dá suas vaciladas, por vezes lhe faltam o vigor e a agilidade de outrora nos dedos, mas o timbre resultante de guitarra e amplificador Fender está lá, bem como os licks que constam da cartilha básica do blues, que ele, sábia e oportunamente, surrupiou dos negros americanos em tempos pré-Yardbirds.
No bis, o pupilo Gary Clark Jr., que fez a abertura, é chamado de volta ao palco para uma canja na tradicional “Before You Accuse Me”, de Bo Diddley. Mas o que mais chama a atenção não é a presença deste que é um dos nomes de maior destaque do blues contemporâneo, e sim o instrumento empunhado por Clapton, que traz em sua pintura a bandeira da Palestina. Nem parece o cara que proferiu tantos absurdos em tempos pandêmicos. Pelo visto, “deus” erra, mas também aprende.
*A atual turnê de Eric Clapton pelo Brasil ainda passa por São Paulo (Vibra, 28/9, e Allianz Parque, 29/9).
*Devido às condições de trânsito no entorno da Farmasi Arena, não foi possível acompanhar a apresentação de Gary Clark Jr.
Eric Clapton — ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Farmasi Arena
- Data: 26 de setembro de 2024
- Turnê: The Americas Tour
- Produção: Move Concerts
Repertório:
Elétrico
- Sunshine of Your Love (Cream)
- Key to the Highway (cover de Charles Segar)
- I’m Your Hoochie Coochie Man (cover de Willie Dixon)
- Badge (Cream)
Acústico
- Kind Hearted Woman (cover de Robert Johnson)
- Running on Faith
- Change the World (cover de Wynonna Judd)
- Nobody Knows You When You’re Down and Out (cover de Jimmy Cox)
- Tears in Heaven
Elétrico
- Got to Get Better in a Little While
- Old Love
- Cross Road Blues (cover de Robert Johnson)
- Little Queen of Spades (cover de Robert Johnson)
- Cocaine (cover de J.J. Cale)
Bis
- Before You Accuse Me (cover de Bo Diddley)
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Sou fã do Clapton, posso afirmar que foi emocionante poder assisti-lo neste show, mas confesso que houveram falhas: o som, principalmente a voz pra quem estava na pista lateral estava baixo, além disso, mesmo sabendo do fator idade e que está doente, senti falta do sentimento nas músicas, quem é fã sabe que ele toca com a alma, mas ainda assim fiquei realizada em estar lá, CLAPTON IS GOD.
O som estava péssimo. Mesmo após reclamacoes da platéia, que achei bastante resignada, por sinal, aumentaram um pouco o volume, mas continuou estranho, faltava alguma coisa. Não entendi o motivo, pois o show de abertura não apresentou esse problema. Uma lástima, um artista desses e um show tão esperado!
Aconteceu a mesma coisa no Allianz Parque em SP!! Som péssimo. Muito baixo. Quanto ao artista, excelente!