O curioso arrependimento de Ian Anderson ligado à corrida espacial

Líder do Jethro Tull incluiu música sobre o tema no terceiro álbum de estúdio da banda, “Benefit”

Em 1970, o Jethro Tull lançou seu terceiro álbum de estúdio. “Benefit” foi altamente influenciado pela primeira excursão da banda pelos Estados Unidos, realizada no ano anterior. Ian Anderson sofreu um choque cultural e acabou absorvendo uma série de temas que não condiziam com sua realidade britânica – em um período em que a tecnologia não conseguia encurtar as distâncias da mesma forma que hoje.

Durante entrevista de 2021 à revista Prog, o músico e compositor refletiu sobre o trabalho. Classificando-o como “dark”, reconheceu que não estava devidamente preparado para as informações que receberia enquanto viajava, mostrando o quanto a realidade e a imagem que lhe era vendida do país se distanciavam.

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Ele começou explicando, conforme resgate da própria publicação:

“Eu estava escrevendo as músicas quando fizemos nosso primeiro ano de turnê pelos Estados Unidos, em 1969. Foram turnês longas e um verdadeiro choque cultural para mim, tendo crescido com uma consciência da América – mas apenas por meio de TVs, filmes e quadrinhos. Estar lá e vivenciar a verdadeira América foi um pouco chocante.”

Jethro Tull e a ida do homem à lua

1969, também lembramos, foi o momento em que o homem pisou na lua. Vem justamente desse ocorrido a inspiração para a música que Ian destaca no tracklist do disco.

“O que me vem à mente é ‘For Michael Collins, Jeffrey and Me’, que é sobre o comandante das missões Apollo. Ele morreu recentemente, é claro. Não foi o cara que desceu na lua, ficou sentado sozinho esperando para ver se seus amigos voltariam em segurança.

Sempre me pareceu muito pungente, por causa da solidão, da responsabilidade e da necessidade de ter certeza de que se seus dois amigos não voltassem por qualquer motivo, e ele tivesse que voltar sozinho para a Terra, haveria pessoas que o odiariam e o acusariam de abandoná-los. Sempre imaginei como deve ter sido para ele.”

Anderson ainda deixa claro que o que lhe atrai é o conteúdo lírico, já que o aspecto de canção não causa o mesmo impacto.

“Musicalmente falando, a faixa é um pouco piegas. Mas eu sempre fui fascinado por viagens espaciais… contanto que não seja Elon Musk! Desperdício, cheio de fantasia… Quero dizer, quando você tem o helicóptero e o iate particular e você tem, você sabe, o Boeing 787 convertido como seu jato particular, então o que você faz? ‘Eu sei, eu vou ter um foguete espacial! E eu vou para o espaço e finjo que é para pesquisa!’”

Ian Anderson critica William Shatner e a si mesmo

Sobrou até espaço para alfinetar um astro da dramaturgia, de quem Ian Anderson é amigo – mas se deixou seduzir pelo “canto da sereia bilionária”.

“Estou chocado que alguém que eu conheço — William Shatner, cujo disco de spoken word eu toquei há um tempo atrás [‘Shatner Claus’ de 2018] — tenha aceitado o convite para fazer aquela viagem ao espaço. Parecia um desperdício em termos de meio ambiente; um gesto tão fútil e sem sentido, apenas publicidade para o corpo corporativo que o colocou brevemente no espaço.”

De qualquer modo, o músico também reconhece ter seu “esqueleto espacial” no armário, o que lhe gera profundo arrependimento.

“Mas, novamente, você pode me criticar pessoalmente, porque eu tenho em casa uma flauta que passou cinco meses na Estação Espacial Internacional em 2011. Calculei quanto custou levar aquela flauta de 900 gramas para a órbita e devolvê-la com segurança ao planeta Terra e girou em torno de US$ 15 mil.

Essa quantia foi queimada para fazer um dueto com uma astronauta dos EUA, Catherine Coleman, quando eu estava em Perm, na Rússia, no 50º aniversário do primeiro voo de Yuri Gagarin [Anderson e Coleman executaram uma passagem de ‘Bourée’]. Alguns membros da velha guarda do programa espacial russo vieram ao show quando eu fiz isso.

Parecia uma boa maneira de se envolver com esse mundo. Suponho que você teria que dirigir um Porsche por alguns anos para igualar a quantidade de combustível queimado – o que é algo que só me ocorreu um pouco depois do fato.”

Sobre “Benefit”

Lançado em 20 de abril de 1970, “Benefit” marcou a estreia do pianista e organista John Evan no Jethro Tull. Também representou a despedida do baixista Glenn Cornick, que sequer foi creditado na prensagem original em LP. “Inside” foi a única música lançada como single.

O trabalho chegou ao 3º lugar na parada britânica e 11º nos Estados Unidos, onde faturou disco de ouro e teve “Teacher” como faixa exclusiva. Em 2013, ganhou edição remixada por Steven Wilson.

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João Renato Alves
João Renato Alveshttps://twitter.com/vandohalen
João Renato Alves é jornalista, 40 anos, graduado pela Universidade de Cruz Alta (RS) e pós-graduado em Comunicação e Mídias Digitais. Colabora com o Whiplash desde 2002 e administra as páginas da Van do Halen desde 2009. Começou a ouvir Rock na primeira metade dos anos 1990 e nunca mais parou.

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