Desde o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, 21 anos atrás, Joss Stone veio 12 vezes ao Brasil. São, ao todo, 31 apresentações somadas entre sua visita inaugural em 2008 e a atual, encerrada na última terça-feira (24) no Espaço Unimed, em São Paulo. Nos dias anteriores, a artista passou pelo Rock in Rio (19/9) e cantou ainda em Ribeirão Preto (21/9) e Belo Horizonte (22/9) com sua turnê “Ellipsis”.
Aliás, se considerar apenas o período desde sua estreia nos palcos nacionais, a inglesa de nome Joscelyn Eve Stoker só não veio à nossa terra nos anos de 2016, 2017, 2019, 2020 e 2021 — no caso dos dois últimos, devido à pandemia de covid-19. A impressão tão compartilhada nas redes de que “Joss Stone está no Brasil toda hora” não é tão falsa assim.
E não são visitas para performances modestas. Fora as escalações em festivais gigantes — do finado SWU aos estabelecidos Rock in Rio e The Town —, a artista de 37 anos tem ocupado casas de eventos cada vez maiores especialmente em São Paulo, ainda que, desta vez, o Espaço Unimed tenha parecido um pouco grande demais para sua plateia.
Mesmo assim, a impressão passada é de que o público da cantora só aumenta. Tal fenômeno ocorre mesmo que seus álbuns mais recentes não tenham repetido as vendas arrebatadoras dos multiplatinados “The Soul Sessions” (2003) e “Mind Body & Soul” (2004) e de “Introducing Joss Stone” (2007), seu último a conquistar discos de ouro/prata nos Estados Unidos, Reino Unido e outras localidades.
O segredo para esta façanha, no fim das contas, está em oferecer um bom show. Soa relativo e até raso, é verdade. Todavia, Stone consegue mesmo reunir todos os elementos primordiais de uma apresentação acima da média: performance técnica incontestável — dela e de seus músicos —, repertório bem construído e recheado de hits, construção de diferentes climas e carisma para dar e vender.
Mostrando a que veio
A última característica mencionada, carisma, é um diferencial enorme por parte de Joss Stone. Tão grande que os fãs nem ficaram na bronca com o atraso de 20 minutos para que ela subisse ao palco com sua banda. Dividindo holofotes com a estrela principal em momentos diversos ao longo da noite, o grupo de apoio é formado por Steve Down (guitarra), Jonathan Shorten (teclados), Carl Fields Jr. (baixo); Adam Smith II (bateria), Jovan Quallo (saxofone), Tyler Jaeger (trompete) e o trio de backing vocals Bailey Hyneman, Louise LaBelle e Artia Lockett.
Descalça como de costume, Stone chegou já mostrando a que veio. Interpretou um trecho da climática e pouco conhecida “Star” antes de emendar em outro pedaço de um de seus maiores sucessos, “You Had Me” — que, diferentemente de outras ocasiões, não seria retomada para execução integral mais adiante. Quando começou discretamente o também hit “Super Duper Love”, o clima já era de festa, inclusive para a protagonista: ao estender a canção original de “Sugar Billy” Garner, ela desceu do palco e foi cantar com a galera, provocando celeuma na parte frontal da pista.
Há de se convir que apenas esta região do imenso Espaço Unimed, casa com capacidade para 8 mil pessoas, estava plenamente lotada. A traseira da pista premium apresentava enormes folgas, enquanto a pista comum deu lugar a um esquema de cadeiras que, mesmo tomando bastante espaço, também não estava cheio. Mas quem se dispôs a estar lá numa bruta terça-feira não se arrependeu.
Após despejar uma série de palavras em português — “Olá, tudo bem? Obrigada, te amo” —, Joss executou mais um trecho, desta vez de “Girl They Won’t Believe It”, soulzão à moda setentista, e emendou nas integrais “Stoned Out of My Mind”, funk legítimo original do The Chi-Lites, e “Teardrops”, uma deliciosa composição soul com curioso tempero reggae do casal Womack & Womack. Ambas marcam presença no álbum de releituras “The Soul Sessions Vol. 2” (2012), que, como o título indica, serve como continuação do disco de estreia da artista.
A última música mencionada leva a uma reflexão sobre a performance vocal de Stone de modo geral. Durante todo o show, não há uma nota sequer colocada fora do lugar — não apenas no que tange a afinação. Com quase meia hora de show, o encerramento de “Teardrops” é somente o primeiro de poucos desfiles de gogó à la “The Voice” da noite, sempre o fazendo muito bem. A inglesa só berra e expõe sua técnica quando necessário. Seu talento reside não apenas na incontestável capacidade de canto, mas em saber interpretar uma canção, dando a ela o necessário.
Algumas surpresas em meio à falta de novidades
A turnê “Ellipsis” não é apoiada por um novo álbum. O conceito é básico: os hits, algumas canções revisitadas e momentos orientados à disco music, gênero adorado pelos filhos pequenos de Joss Stone que vai inspirar o próximo disco da artista, ainda sem data para sair.
Mesmo assim, há espaço para algumas surpresas. No departamento de “músicas resgatadas”, destaca-se a linda balada “Spoiled”, tocada ao vivo pouquíssimas vezes antes de 2024 devido à história por trás. O terceiro single do álbum “Mind Body & Soul” é uma parceria da artista com Lamont e Beau Dozier, pai e filho. O segundo foi namorado da cantora e inspirou a composição, mas, nas palavras da própria, “ele não merecia isso”. Com o fim do relacionamento, a inglesa passou a evitar a canção, mas agora admite: “eu estava sendo emo, mas já superei”. Ainda bem.
O passado fica para trás em “Loving You”, música lançada como single há poucas semanas e composta em homenagem a seu atual marido, Cody DaLuz. Ela recorreu a um brasileiro da equipe técnica para lhe ajudar a explicar em português que o rapaz é “incrível, mas… [no nosso idioma] ele pega no sono e eu fico acordada a noite toda”. Julgamentos à parte, trata-se de outra agradável e lenta balada, porém mais apoiada no R&B clássico.
“Aquela foi para meu marido, essas são para os meus filhos bebês que adoram dançar”, diz Joss antes de introduzir outra peculiaridade da tour: um medley de disco music que é extremamente funcional em agitar a plateia ao percorrer:
- “Forget Me Nots” (Patrice Rushen), em pedaço bem curto;
- “Everybody Dance” (Chic), hit incontestável introduzido por um belo solo de baixo;
- “Fight the Power” (The Isley Brothers), com solo de teclado e chuva de papel picado ao fim;
- “Dance it Off” (Rena), trazendo momento solo de Artia Lockett e rendendo à talentosa cantora um volume altíssimo de aplausos e gritos;
- “Got to Be Real” (Cheryl Lynn), evidenciando as backing vocals;
- e “Bring on the Rain”, single de 2022 mais inclinado ao funk e lançado em parceria com o The Shapeshifters.
Terço final arrebatador
O momento discoteca serviu até para deixar o público mais animado do que o esperado na passagem reggae com a não tão marcante “Harry’s Symphony”. “Mr. Wankerman” reduz o ritmo, mas não o entusiasmo, ao oferecer talvez o momento mais heavy da noite. Stone explicou ao público que “wankies”, expressão que gerou o título da faixa, significa “vacilão” em português — termo aprendido em pleno Rock in Rio —, mas pediu por uma palavra mais “hardcore” e ganhou de presente “c*zão”, apesar de uma fatia da plateia insistir em “arrombado”.
Eis que a canção foi adaptada para “Mr. C*zãoman” — e mesmo com a gracinha, não perdeu sua intensidade. A parte final, com disputa de solos de sax/guitarra, enfim um toque de distorção (fora um inesperado pedal duplo) e berros carregados da protagonista, é formidável. Ao ser concluída, arrancou até um “Que ‘Xou da Xuxa’ é esse?” de Joss, também em nosso idioma.
A parte regular do set foi concluída com “Fell in Love with a Boy”, a magnética releitura da inglesa para o hit do The White Stripes, e “Tell Me ‘Bout It”, um funk/soul estendido com momentos solo das três backing vocals. Encerrando um dos intervalos para bis mais curtos já existentes, Joss Stone e banda retornam para evidenciar a ligação da estrela principal com o rock: seja com a pop rock “Right to Be Wrong”, único momento em que Steve Down troca sua guitarra Telecaster por um violão, seja com o tema mais convencional do gênero “Karma”, que, de tão formidável, poderia ter sido tocada até antes.
Não dá nem para reclamar do fato de a performance sequer ter chegado a 1h30 de duração. Até nisso, Joss Stone acertou. A cantora que sabe onde colocar praticamente toda nota que interpreta em seu set também tem noção do momento ideal para sair de cena. Deixar gostinho de “quero mais” também faz parte de seu show.
*Esta cobertura contou apenas com fotos de celular devido à negativa de credenciamento ao profissional de fotografia do site IgorMiranda.com.br.
Joss Stone — ao vivo em São Paulo
- Local: Espaço Unimed
- Data: 24 de setembro de 2024
- Turnê: Ellipsis
- Produção: Live Nation
Repertório:
- Medley: Star + You Had Me
- Super Duper Love (Billy “Sugar Billy” Garner)
- Girl They Won’t Believe It
- Stoned Out of My Mind (The Chi‐Lites cover)
- Teardrops (Womack & Womack cover)
- Spoiled
- Loving You
- Disco medley: Forget Me Nots (Patrice Rushen) + Everybody Dance (Chic) + Fight the Power (The Isley Brothers) + Dance it Off (Rena) + Got to Be Real (Cheryl Lynn) + Bring on the Rain (parceria com The Shapeshifters)
- Harry’s Symphony
- Mr. Wankerman (adaptada para Mr. C*zãoman)
- Fell in Love with a Boy (The White Stripes)
- Tell Me ‘Bout It
Bis:
- Right to Be Wrong
- Karma
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foi muito bom!
nada de playback!
Foi sensacional, teve até um trechinho de “Bad boys, bad boys… what you gonna do?? …”
Sim! Esse trechinho na verdade faz parte da “Harry’s Symphony”, inclusive da gravação em estúdio.
Hummm, não sabia!!!
Eu sou fã novo…
Minha amiga que me apresentou e eu gostei muito.
Diga-se de passagem, curti mais o show dela, do que o da Mariah na sexta-feira anterior…
Parabéns pelo texto, registrou muito bem o que vimos lá naquela noite super agradável!!
Muito obrigado, Marcel!