Completando quatro décadas de festival, o Rock in Rio tem como marca de sua história uma evolução estrutural admirável. Do lamaçal que tomou conta da edição inaugural de 1985, passando pela revitalização da Cidade do Rock original para o retorno em 2011 até a mudança para o Parque Olímpico, o evento se transformou em um parque temático com atrações musicais.
A construção da estrutura em um espaço mais amplo e de melhor acesso multiplicou as possibilidades de entretenimento. O público passou a ter à disposição uma gama ainda mais vasta de experiências em estantes de marcas, palcos secundários e brinquedos radicais.
- Rock in Rio 2024: dia do rock mostra como novos nomes merecem destaque
- Do vexame à emoção, como foi o encerramento do Rock in Rio 2024
Porém, a edição que se encerrou no último domingo (22) provou que, diferentemente da tendência demonstrada pela produção — e dos comentários debochados em redes sociais —, a música ainda é o principal foco de interesse de quem vai ao evento.
Lineup pouco convincente
Desde sempre o Rock in Rio se mostra aberto a receber gêneros musicais diversos, em uma aposta que só aumenta conforme os anos se passam. Sem tantos headliners roqueiros à disposição no mercado, a edição de 2024 pareceu ter sido o momento de colocar o plano em prática.
Houve dias dedicados ao trap, pop e R&B, além de uma abertura maior ao samba e pagode e até mesmo a estreia do sertanejo. O rock foi reduzido a apenas uma data, com atrações bem pontuais o representando em outros dias.
Independentemente de estilo musical, o lineup do festival foi alvo de uma enxurrada de críticas. Com poucas atrações inéditas e ilustres, a procura por ingressos foi reduzida para os padrões do evento em três — Avenged Sevenfold (15/9), Ed Sheeran (19/9) e Dia Brasil (21) — das sete datas. O “dia do rock” foi anunciado como “esgotado” menos de 24 horas antes de sua realização, mas parecia sensivelmente mais vazio em comparação, por exemplo, ao domingo (22), primeira ocasião a ter seus ingressos todos comprados.
Sunset promovido a palco principal
Outra questão colocada em prática no Rock in Rio 2024 envolveu o palco Sunset. O posicionamento foi alterado, para possibilitar que os fãs conseguissem a assistir a seus shows de um mesmo ponto em que pudessem acompanhar o sempre cobiçado palco Mundo. Ao mesmo tempo, ambos ficaram mais distantes — saindo de 330 para 400 metros.
Além disso, o Sunset foi expandido para dimensões mais próximas do Mundo. A boca de cena (espaço efetivamente usado pelos artistas) passou de 72 para 93 metros, enquanto a altura adotada foi de 27,5 metros. São números iguais ao do espaço principal do evento.
A ideia era acabar com discussões em torno do palco considerado “secundário”. Muitas atrações de peso têm se apresentado no espaço em questão — por vezes deixando o público decepcionado, como em 2022, quando Avril Lavigne atraiu uma plateia maior que o alcance sonoro e visual do Sunset.
Em tese, uma excelente ideia. Na prática, não funcionou como o esperado. Mesmo com o aumento da altura e da boca de cena, a área de visibilidade do palco foi prejudicada por obstáculos como torres de som e a house mix (local no meio da pista usado para regulagem do som), que tomou toda a visão central. A área se limitou às laterais, em um ângulo bastante específico, por conta dos pontos cegos — o que impactou na mobilidade em shows de grande procura como o de Mariah Carey na noite de encerramento (22).
A mudança do palco para o lado esquerdo do local também falhou em oferecer, na prática, a prometida visibilidade de um palco para o outro. Por outro lado, foi vantajosa ao liberar o fluxo de entrada do público, que nos outros anos se misturava com a plateia do Sunset.
Quanto ao alcance sonoro, ainda não houve coerência. Não é possível colocar os dois palcos em nível de igualdade sem a potência adequada. Durante a apresentação do Deep Purple no dia do rock (15/09), o som chegou abafado e ininteligível até mesmo nos arredores. O set de DJ no Pavilhão Itaú, palco do banco patrocinador anunciado às vésperas do evento começar, se sobrepôs de forma bem clara.
Melhorias no palco Mundo
No Rock in Rio 2022 — e até na estreia do festival irmão paulistano The Town em 2023 —, o uso de telões verticais deu o que falar. A captação era feita no formato widescreen, então, a imagem que chegava ao público era cortada e descentralizada, o que prejudicou bastante as experiências, principalmente para os baixinhos. No evento de São Paulo, o tamanho diminuto das telas também gerou debate.
A questão foi solucionada em 2024 com a adição de dois telões horizontais nas extremidades e um no topo que aumentou significativamente o alcance dos shows. Dava para ver de qualquer ponto.
Porém, mais uma vez, o alcance sonoro se mostrou limitado ao menos em parte da realização do evento. Durante a apresentação do Avenged Sevenfold, o som ficou extremamente abafado nas laterais e no fundo, na reta do fim da área VIP, uma distância relativamente pequena da grade do palco. No último dia a questão se mostrou solucionada.
O aplicativo do Rock in Rio
Outra boa ideia que falhou em funcionar plenamente foi o aplicativo repaginado do Rock in Rio para 2024. A intenção era permitir o agendamento para uso dos brinquedos e a compra antecipada de comida e bebida. Porém, o serviço prestado deixou muito a desejar.
A aquisição antecipada de produtos via app teve problemas desde o início, com o pagamento por cartão de crédito não funcionando às vésperas do início do festival. A questão foi resolvida em uma atualização, mas no momento da retirada, o pedido não constava no aplicativo que, como relatado, vinha apresentando falha durante os dias. A questão só foi contornada graças ao recibo enviado por e-mail — que tinha que ser validado com os vendedores, gerando filas da mesma forma.
O aplicativo ainda falhou no acesso aos brinquedos. Nesta edição, o agendamento passou a ser direto pelo aplicativo a partir da geolocalização do usuário, que obrigatoriamente precisava estar no Parque Olímpico. Porém, nas diversas tentativas em três celulares diferentes, dentro do local, o aplicativo indicou não ser possível a marcação por “estar fora das imediações necessárias”. Por outro lado, diversas pessoas que chegaram mais tarde relataram um agendamento tranquilo, o que pode indicar a sobrecarga de usuários na ferramenta.
Infraestrutura do Rock in Rio 2024
No quesito infraestrutura, o Rock in Rio sempre se destaca. Um exemplo de destaque está nos banheiros. Desde 2011 o festival tem contêineres sanitários que dão conforto extra para o público que fica o dia todo no local. Diferente da insalubridade dos químicos, as dependências são limpas com uma frequência aceitável e contam com papel higiênico, sabonete e toalha de papel.
Naturalmente, os banheiros mais próximos das áreas de concentração do público falham nesses quesitos mais para o fim da noite. Todavia, quem opta por andar mais um pouco encontra espaços ainda utilizáveis.
Houve evolução também nos dilemas de hidratação para 2024. Após a morte em 2023 de uma fã em um show da cantora Taylor Swift no Rio, por complicações de um quadro de desidratação em meio a um calor extremo, os eventos brasileiros começaram a flexibilizar a entrada de garrafas e copos d’água. É o caso do festival carioca, que finalmente deixou de vetar tampinhas de garrafa.
Neste ano, a plateia também contou com seis ilhas de hidratação, reunindo mais de 170 bebedouros. Desde o falecimento da fã de Taylor Swift, produtoras de grandes eventos são obrigadas por lei a disponibilizar água potável gratuitamente, mas nesse ponto o Rock in Rio é pioneiro em território nacional, visto que pelo menos desde 2013 há bebedouros à disposição do público.
No fim das contas, a edição comemorativa de 40 anos de Rock in Rio teve seus percalços, mas pontuou como parque temático. Os pecados maiores estiveram justamente no âmbito que, apesar de contestações, muitos ainda consideram o principal: o festival de música.
Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.