Living Colour abre turnê brasileira com show para iniciados no Rio

Repertório destacou álbuns menos comentados da carreira e privilegiou talentos individuais dos músicos

“Life is really hard, but if you’re having fun right now say yeah!” (“A vida é realmente difícil, mas se você está se divertindo agora, diga yeah!”), vocifera Corey Glover, vocalista que, há quatro décadas, conquistou o posto que ocupa até hoje após impressionar os colegas cantando “Parabéns pra Você” em uma festa de aniversário. Essa era a décima segunda das dezesseis músicas previstas no repertório. A essa altura, não havia dúvida de que os presentes para assistir ao Living Colour no Sacadura 154, no Rio de Janeiro, estavam se divertindo bastante.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

A apresentação da última quinta-feira (10) foi a primeira das quatro no Brasil. O grupo ainda passará por Belo Horizonte (11/10), São Paulo (12/10) e Brasília (13/10), com abertura do Black Pantera nas capitais mineira e paulista. No Rio, os trabalhos foram iniciados pela banda Seu Roque, a mesma que abriu para os americanos no Circo Voador em 2019. Embora este repórter estivesse presente na hora marcada, a cobertura não pôde ser realizada devido a um atraso no início do processo de credenciamento dos profissionais de imprensa.

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Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

A turnê atual do Living Colour se difere daquela de cinco anos atrás, que celebrava os 30 anos de Vivid (1988), ao não visar a comemoração de nenhum álbum ou efeméride em particular. E nem precisaria, uma vez que sempre que desembarcam em terras tupiniquins, Glover, Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) são recebidos com casa cheia, por um público diferente daquele habitual, homogêneo, dos shows de rock. A diversidade na plateia reflete a mistura promovida pelo quarteto quando irrompeu em uma cena então predominantemente branca e mental e musicalmente unidimensional.

Sob o som da Marcha Imperial, de “Star Wars”, os quatro adentram o palco pela lateral, com as luzes gradualmente revelando suas indumentárias. Destaca-se o terno coberto de lantejoulas de Glover, quase carnavalesco de tão chamativo.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Alguns compassos de calibragem antecedem “Leave It Alone”, prometida por Reid em entrevista ao site, a primeira da noite. É ele quem agradece ao final, atuando como porta-voz cuja economia nas palavras é inversamente proporcional à quantidade de notas que regurgita em seus solos — sendo o de “Ignorance is Bliss”, de longe, o mais inspirado e, por conseguinte, o mais aplaudido.

Embora o todo seja infinitamente maior que a soma de suas partes, é justo e necessário reconhecer os talentos individuais dos músicos, sobretudo nos momentos em que estes se projetam além da compreensão. Como pode Glover, aos 59 anos, estar cantando tão bem quanto, ou quem sabe melhor do que em seu suposto auge vocal? Várias foram as amostras durante o set: do “paaaaaaain” em “Desperate People” à sustentação de uma nota por quase meio minuto e a um palmo do microfone em “Open Letter (To a Landlord)”, na qual conclama todos a lutarem por sua vizinhança, querendo, na verdade, transmitir a mensagem anticonformista e pro-unidade essencial à mudança.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Calhoun e Wimbish tampouco ficam atrás. O baterista, apresentado como “Rei do Maracatu” — e cujo instrumento praticamente o escondeu dos celulares sempre prontos —, une como poucos a fúria punk (exacerbada em “Funny Vibe”) com a elegância de quem estudou a técnica do jazz (vide a deliciosa levada de “Love Rears Its Ugly Head”). Will é daqueles que se pode afirmar possuir a tal da assinatura; e o olhar de admiração de um Corey algo absorto da coxia durante o solo do colega foi especialmente sugestivo.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Já o baixista, cuja trajetória inclui zilhões de participações e colaborações em registros históricos da música negra americana, tem como principal atributo o experimentalismo: seu baixo ora soa como guitarra, ora como teclado, em um mix de efeitos que, sempre que acionado, engolia todos os demais instrumentos. O tributo ao seu currículo campeão se deu na forma de um medley unindo clássicos de Sugarhill Gang e Grandmaster Flash and the Furious Five, dois arquitetos do rap e hip-hop cujas queixas, infelizmente, permanecem extremamente atuais.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Se em vezes anteriores foi quase como se o Living Colour tivesse parado após “Time’s Up” (1992) — ok, exagero da minha parte — desta vez também houve atenção aos dois capítulos seguintes da discografia: “Stain” (1993) e “Collideøscope” (2003). Ambos compareceram com sons raramente executados pela banda, como “Bi”, “Sacred Ground”, “Never Satisfied” e a mais surpreendente de todas, “Flying”, um tributo às vítimas dos atentados de 11 de setembro que, em uma vã tentativa de salvar suas vidas, se jogaram pelas janelas do World Trade Center.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Na reta final, as palavras de Martin Luther King anunciam “Cult of Personality”, o hit supremo. O bis vem com “Type” e a cíclica máxima acerca da Lei do Retorno: “Everything that goes around, comes around” (“tudo que vai, volta”).

E quando os trabalhos pareciam ter chegado ao fim, após 1h30 de show – sem “Middle Man”, apesar dos incessantes pedidos –, uma pergunta é feita em formato de música incidental: “What’s your favorite color, baby?” (“Qual é a sua cor favorita, baby?”). A resposta vocês já sabem.

*Mais fotos ao fim da página.

Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos

Living Colour — ao vivo no Rio de Janeiro

  • Local: Sacadura 154
  • Data: 10 de outubro de 2024
  • Produção: Rider2 / Estelita / Top Link Music

Repertório:

  1. Leave It Alone
  2. Desperate People
  3. Ignorance Is Bliss
  4. Bi
  5. Auslander
  6. Never Satisfied
  7. Funny Vibe
  8. Sacred Ground
  9. Open Letter (To a Landlord)
  10. Solo de bateria + Flying
  11. Medley: White Lines (Don’t Do It) (Melle Mel) / Apache (Sugarhill Gang) / The Message (Grandmaster Flash and the Furious Five)
  12. Glamour Boys
  13. Love Rears Its Ugly Head
  14. Time’s Up
  15. Cult of Personality

Bis:

  1. Type
  2. What’s Your Favorite Color? (Theme Song) [trecho]
Foto: Paty Sigiliano @paty_sigilianophotos
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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

1 COMENTÁRIO

  1. Ótima resenha sobre o show! Foi absolutamente fantástico. Só peguei uma falha no trecho que diz:

    “desta vez a ênfase recaiu sobre os dois capítulos seguintes da discografia: “Collideøscope” (2003) e “Shade” (2017). Ambos compareceram com sons raramente executados pela banda, como “Bi”, “Sacred Ground”, “Never Satisfied” e a mais surpreendente de todas, “Flying”…”

    Na verdade do “Collideøscope” somente “Flying” e “Sacred Ground” foram tocadas e do “Shade” não tocaram nenhuma faixa. As músicas “Bi” e “Never Satisfied” são do Stain (1992) assim como “Leave It Alone”, “Ignorance Is Bliss” e “Auslander”.

    A ideia da correção é apenas colaborar nos dados. Podem inclusive não postar ou apagar este comentário depois, sem nenhum problema. Grande abraço e parabéns pelo texto.

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